sábado, 30 de junho de 2007

VENDO (1)

Vendo uma tristeza de hoje,
Vendo uma alegria com dois dias;
Vendo uma mágoa de anos passados,
Vendo um desgosto de todas as horas,

Vendo o que por mim passa,
O que me trespassa,
E o que me ultrapassa,

Vendo o que me desgosta,
O que me encanta,
E o que me espanta,

Vendo o que me “mata”,
O que me dá vida,
O que me entristece,
E o que me aborrece,

Vendo o que me alegra,
O que me acorda,
E o que me adormece,

Vendo o que me faz sonhar,
O que me faz chorar,
O que me faz rir,
E o que me faz sorrir,

Vendo o espelho que me reflecte.
Vendo tudo isto e mais aquilo,
Também vejo que vou morrer!
Nada posso fazer, nem tenho medo!
Mas tenho pena.

Tenho pena de deixar quem gosto, e do que gosto;
De deixar o mar, o campo, os cheiros e os sabores,
Os voos dos pássaros e o mugido das vacas pastando no campo,
Do perfume das flores e outros odores.

Tenho pena das lembranças,
Dos ralhanços que ouvi em criança,
E dos que a outras crianças eu dei;
De nadar no mar, todo nu, como nadei!
De roubar figos à noitinha no quintal da vizinha,
Das amoras que comi e do vinho que bebi,
Dos amores que vivi e dos que morreram em mim,
De tudo tenho pena. De tudo tenho saudades.
Mas vendo bem, tudo valeu a pena.
Mas morrendo … tenho pena!


(1) modo gerúndio do verbo ver

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